quinta-feira, 2 de novembro de 2017

7ª Arte: Hoje Eu Quero Voltar Sozinho – Resenha

Um filme que daria um livro interessante

Por Eric Silva


Nota: todos os termos com números entre colchetes [1] possuem uma nota de rodapé sempre no final da postagem, logo após as mídias, prévias, banners ou postagens relacionadas.

Está sem tempo para ler? Ouça a nossa resenha, basta clicar no play.




Poster do filme.
Imagem: Divulgação.
No primeiro 7ª Arte de 2017 falaremos de um filme de enredo singelo, mas muito interessante. Filme do brasileiro Daniel Ribeiro, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é um longa-metragem inspirado em um curta – Eu não Quero Voltar Sozinho – produzido pelo mesmo diretor, mas que teve grande aceitação do público pela delicadeza como tratava a questão da cegueira e da homossexualidade na adolescência. Preservando a essência de seu trabalho anterior, Ribeiro constrói uma trama simples mas repleta de temas importantes que são muitas vezes negligenciados pela sociedade vidente[1] e que ainda caminha no plano da aceitação e da tolerância ao que é diferente.


Sinopse    

Leo é um garoto que desde seu nascimento convive com a cegueira e a superproteção sobretudo da mãe. Em sua relação nem sempre muito fácil com a família, ele luta para conquistar sua independência ao mesmo tempo que enfrenta os pequenos dilemas comuns a qualquer outro adolescente. Em seu dia a dia, ele conta com o apoio irrevogável da amiga Giovana que o auxilia em suas atividades e defende o rapaz das brincadeiras maldosas de alguns colegas. Entretanto, tudo muda com a chegada de Gabriel. A amizade com Giovana é abalada e, no turbilhão de novas experiências, Leo descobre novos sentimentos e mais sobre si e sua sexualidade.



Depois de um ano, relembrando a proposta do 7ª Arte

Depois de muito tempo finalmente teremos o primeiro 7ª Arte de 2017! Mas antes de falar sobre a película fílmica da vez, acho que é interessante relembrar o propósito do 7ªArte que no Conhecer Tudo se difere bastante das críticas de cinema que muito de vez em quando faço por aqui.

O 7ª Arte nasceu ano passado, durante o #AnoDaEspanha, e nesse período resenhei dois filmes espanhóis: O Labirinto do Fauno e La Lengua de las Mariposas. Como somos um blog essencialmente literário, apesar de não ser unicamente voltado para isso, o propósito pensado para o 7ª Arte é falar de filmes ou que se basearam em obras literárias ou cujo enredo daria, essencialmente, em bons livros. Ou seja, no 7ª Arte, o objetivo não é falar de atuação, nem de fotografia, enquadramento ou todos esses aspectos do cinema que honestamente, não é minha praia. Gosto de boas histórias e por isso o foco do nosso projeto é na história, no enredo, de como ele foi adaptado para a telona ou de suas potencialidades literárias. Por isso, que não é nem todo, nem qualquer filme que entra para o projeto. Uma crítica contundente de uma adaptação exige a leitura prévia do livro e no caso de um filme original a história precisa ser boa.

Está aí a essência do nosso projeto que busca aliar o que há de melhor na sétima arte, o cinema, com a nossa arte predileta, a literatura.

Mas vamos ao filme de hoje.

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho

Os três protagonistas. Da esquerda para a direita: Gabriel, Giovana e Leonardo.
Dirigido, produzido e roteirizado por Daniel Ribeiro, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é um filme brasileiro que conta a história de três adolescentes de classe média: Leonardo (Ghilherme Lobo), Giovana (Tess Amorim) e Gabriel (Fábio Audi).

Leo é cego de nascença e tem na amizade com Giovana o seu principal apoio. Os dois são inseparáveis e Giovana ajuda o rapaz em muitas de suas atividades cotidianas como ditar as anotações do quadro e acompanhá-lo no trajeto de casa. Contudo, a amizade dos dois sofre um profundo abalo com a chegada e aproximação de Gabriel, um garoto recém-transferido da escola. Além disso, Giovana tem uma grande dificuldade em compreender o desejo de Leo de ir embora de casa e fazer intercâmbio no exterior para ficar longe da superproteção dos pais, deixando também ela para trás.

Como em qualquer história sobre adolescentes, Leo vive muitos dos dilemas e medos da puberdade: o desejo de beijar pela primeira vez, o despertar da sexualidade e o primeiro amor. Ainda, por ser cego, seus pais limitam bastante o seu ir e vir, exigindo dele que sempre informe onde está, proibindo-o de ficar sozinho em casa e só permitindo que ele vá as viagens e passeios da escola quando julgam seguro.

Desse aspecto surge outras questões muito comuns a todos os adolescentes como ele: o anseio e luta por independência e liberdade, o desejo de sair e se divertir, além das brigas e atritos constantes com os pais superprotetores. Marcas inconfundíveis de uma das fases mais difíceis e gostosas da vida. Contudo se engana quem pensa que os problemas do rapaz se resumem a isso.

Por ser deficiente visual Leo também sofre bullying de alguns de seus colegas que, além de fazerem piadas sobre a relativa dependência do garoto de que as pessoas lhe façam favores, também brincam de forma bastante cruel se aproveitando das limitações dele. Porém, as brincadeiras de mau gosto evoluem e se tornam insinuações acerca de sua sexualidade sobretudo quando a amizade de Gabriel e Leonardo vai se tornando mais estreita.

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho como pode se ver é uma história singela e sem muitas pretensões, mas que reúne um grande número de temas universais (que podem acontecer em qualquer lugar, independente do cenário, não se prendendo ao local e à época em que a história é narrada) tornando o filme um pequeno ode[2] ao afeto, à juventude, às suas incertezas, aos seus dilemas e aos amores e descobertas que fazemos nessa fase. Isso me levou a pensar porque ele não daria um bom livro se análise psicológica dos personagens fosse mais profundamente trabalhada? O que sua trama o faz inferior a livros como Cidade de Papel, Will & Will, Apenas um Garoto ou Os 27 crushes de molly e tantos outros livros teens de autores conhecidos?

Acredito que não diferem muito, apesar de ter citado aqui livros que não li, mas que recordo ter visto uma crítica, uma resenha ou adaptação. Assim como esses livros, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho trata da adolescência sob muitos aspectos, muitos deles semelhantes. Contudo, a cegueira na adolescência é algo mais raro de se ver na literatura, como os jovens cegos lidam com suas limitações, como buscam alcançar sua independência, como amam, como são amados. Mais do que isso, a história envolve também a questão da homossexualidade, tema difícil e ainda polêmico seja para os videntes ou para os eficientes de qualquer natureza. É um leque enorme de questões que emergem no filme e tantas outras que poderiam emergir.

É certo que Hoje Eu Quero Voltar Sozinho não foi capaz de dar profundidade a todas as questões que abordou, e pela complexidade do tema, algumas coisas foram abordadas superficialmente. Mas me pergunto: não é assim também com as adaptações de livros, mesmo os mais complexos? Não são tratados superficialmente por conta do fator tempo de desenvolvimento, que no cinema é limitado a algumas poucas horas de vídeo? Então como ser exigente em um filme original? Desenvolvê-lo como livro resolveria certamente estas questões. Daqui em diante espero deixar claro porque Hoje Eu Quero Voltar Sozinho seria um bom livro teen.

Adolescência, deficiência e superproteção

Se fossemos dividir a trama de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho em partes, elas seriam duas. A primeira a giraria entorno do tema da independência dos jovens com deficiência visual e a superproteção de seus familiares, e a outra seria o despertar da relação do par romântico da narrativa que se mescla aos altos e baixos da amizade entre Leo e Giovana.

Leonardo além de ser portador de deficiência visual, é também filho único e por isso seus pais, mas sobretudo sua mãe, estão sempre cercando o rapaz de cuidados. Porém todo aquele amor e atenção acabam por inevitavelmente sufocar o adolescente.

Como todo sabem, a adolescência é uma fase onde o jovem está sempre em busca de independência e muitos também de autonomia. Poder tomar suas próprias decisões, não depender dos pais ir e vir sem necessidade de autorização ou de dar satisfações são desejos que, na juventude, todos nós ansiamos conquistar, e por vezes somos radicais no intento de consegui-lo.

Para alguns o processo de conquista da independência é tranquilo e até natural, mas para muitos outros é uma fase conturbada e de muitos atritos com os familiares que, ou por superproteção ou por bom-senso, insistem em contrariar o desejo extremado de liberdade de seus filhos. Mas, sem dúvida, esse desejo de liberdade é algo comum aos jovens e muito próprio desta fase, entretanto o é também para os deficientes visuais.

Com os adolescentes cegos a realidade não é diferente, apenas se soma as limitações impostas pela cegueira que afeta sensivelmente “aquisição de habilidades” de seu portador, assim como afirmam as pesquisadoras Jhenifer Geisa Burnagui, Mariana Peres e Gabriela Cordeiro em seu artigo, Autonomia e independência: percepção de adolescentes com deficiência visual e de seus cuidadores[3].

As pesquisadoras relatam que, nesta fase, além de ocorrer todo o conjunto de mudanças próprias da adolescência, a exemplo “das mudanças fisiológicas e do despertar da sexualidade”, há também “uma reconfiguração de identidade, uma nova construção de si, que tem a deficiência visual como fator constituinte”, e essa reconfiguração do eu não só envolveria as mudanças supracitadas como também, e principalmente, “as relações familiares e sociais”.

Leonardo e os pais durante mais uma cessão de discussão.
No filme, vemos como Leo atravessa todas estas questões e mudanças: o despertar de sua sexualidade que é seguido da afirmação de uma identidade homossexual, os conflitos familiares por independência e autonomia, e as relações escolares quase nunca fáceis e entrecruzadas pelo bullying e por um certo isolamento social imposto por aqueles que não são seus amigos pessoais, mas que também é autoimposto. No que trata dessa autoimposição que cito, ela aparece quando Leo manifesta que não tinha nenhuma intenção de ir a uma festa onde os colegas de turma estivessem presentes, sendo, só depois, convencido por Gabriel a ir.

Contudo, voltando a dimensão familiar Jhenifer, Mariana e Gabriela destacam ainda que no caso dos adolescentes deficientes visuais a conquista da independência e autonomia não é menos difícil e conflituosa do que no caso dos adolescentes videntes. Assim afirmam as pesquisadoras: “Cuidadores próximos de adolescentes com deficiência visual, geralmente pais e/ou avós, por vezes têm em si despertados sentimentos de superproteção e cuidado excessivo, podendo, dessa forma, interferir nos processos de obtenção de autonomia e independência”.

A superproteção familiar é uma questão central no filme. Os pais de Leo carregam consigo pensamentos limitantes de que os cegos não podem fazer tudo sozinhos, não podem ficar sozinhos sem supervisão ou companhia de um vidente, e, no caso de um adolescente, deve sempre dar satisfação de tudo o que fazem e sobretudo de para onde vão. E são todas estas coisas que eles projetam no filho e dele exigem. O pai manifesta uma atitude mais compreensiva, mas a mãe é inflexível.

Algo que me chamou muito a atenção é que apesar do discurso da mãe deixar claro que ela tem essa visão do cego como um limitado e incapaz de fazer sozinho certas coisas, ela tateia as palavras para não deixar esse pensamento explícito, não manifestá-lo em palavras claras e uníssonas. Ela teme por ele e por isso o limita mais do que sua própria deficiência. Essa superproteção sufoca Leonardo e incita nele o desejo de estar longe dos pais. Ir em busca de um intercâmbio e ir embora, fosse qual fosse o lugar, mas que fosse longe do monitoramento imposto pelos pais. O resultado da divergência de opiniões é claro: discussões e desentendimentos constantes.

Uma dialogo incrível do filme e que bem ilustra essa percepção da mãe ocorre quando após desaparecer sem dizer para onde ia Leo chega atrasado em casa e discute com os pais, ou melhor, o pai quase não diz nada.

(Leo) – Eu não posso dar um passo sem vocês me vigiarem?
(Mãe) – Você some por horas. Você quer que a gente fique tranquilo?
(Leo) – Mãe, pergunta pra qualquer pessoa da minha sala se o pai ia ficar nervoso por um atrasinho desses?
(Mãe) – Você sabe que é diferente!
(Leo) – Por que que tem que ser diferente, mãe?! Porque você não tenta fazer ser igual?!


Adolescência, bullying e consumo de bebidas alcoólicas

Antes de falarmos do segundo tema que subdivide a trama, uma outra dimensão da vida adolescente que é bastante abordada na história é a questão do bullying.

Cena de bullying no qual os colegas de sala cercam e brincam
com Leo sem que ele saiba quem está a sua volta.
Leonardo desde a primeira cena do filme até sua penúltima é constantemente alvo de brincadeiras maldosas e até humilhantes, inicialmente quanto a sua deficiência e a necessidade de que as pessoas lhe fizessem favores, a exemplo da amiga Giovana que o conduzia até o protão de casa todos os dias e o ajudava em outras tarefas e, que por conta disso era maldosamente chamada de “bengala humana”. Porém, com a chegada de Gabriel, as brincadeiras mudam de foco e começam a sugerir um relacionamento homossexual entre os novos amigos.

Como os demais temas, este também foi tratado com certa leveza uma vez que os reflexos mais profundos e que são comuns a quem sofre com o bullying não foram abordados pela trama. Leonardo se sente incomodado com as agressões – esse é o nome correto a ser dado – mas em momento algum parece se abater por conta delas.

Como todos sabem o bullying não é um fenômeno novo – presumo que seja tão velho quanto a humanidade –, mas que vem se tornando um grande problema, sobretudo nas escolas, porque mexe profundamente com o emocional da vítima e traz consequências psicológicas que são sentidas mesmo depois da idade adulta. Por denunciá-lo o filme revela mais uma faceta do universo estudantil, mas, sinceramente, perde por não aprofundá-lo. De qualquer forma, esse não era o foco principal da história e é posto mais como mais uma das dimensões que se entrecruzam na difícil realidade de adolescentes cegos e homossexuais.

Uma outra crítica que tenho a fazer do filme, um tanto moralista, confesso, é a respeito do consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes. Na minha opinião, o filme naturaliza o consumo ao representá-lo sem uma crítica ou denúncia subjacente.

Essa é uma realidade que conheço de perto, e meus alunos sabem que eu reprovo e não os apoio em seu consumo, quase sempre exagerado e em idade inadequada. O alcoolismo na adolescência é também uma realidade que não pode ser negada ou ignorada. Acredito que o objetivo do filme foi retratar fielmente a realidade dos adolescentes de hoje, mas o outro lado da moeda deveria ser apresentado também.

Hoje não só no Brasil, mas no mundo todo, a ingestão de álcool é a principal causa de morte de jovens de 15 a 24 anos de idade[4]. Além disso, o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA)[5] ainda aponta uma série de outras graves consequências pelo uso de álcool em menores de idade: lesões e consequências sociais, suicídio, violência sexual, prática de sexo inseguro e dependência, além dos efeitos nocivos ao cérebro, podendo interromper processos chaves do desenvolvimento desse órgão.

Essa é uma realidade que não foi representada no filme que tem faixa etária de 12 anos.

Adolescência, sentimento e sexualidade

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho nasceu como um curta-metragem chamado Eu não Quero Voltar Sozinho (assista no final da postagem) cuja boa recepção da crítica impulsionou a criação do longa.

A segunda versão da história de Leo, Giovana e Gabriel mantêm o mesmo elenco principal, mas amplia e ressignifica a narrativa.

O filme conserva alguns diálogos mudando seus contextos, também repete alguns acontecimentos porém, novamente, alterando contextos. Contudo a mudança mais sensível em relação a primeira versão é o deslocamento para uma proposta multifocal. No curta, a questão da deficiência visual de Leo é tratada só na superficialidade, o mesmo para o bullying, enquanto que o despertar do interesse de Leonardo por Gabriel se torna o foco principal da narrativa.

Diferentemente, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho busca trabalhar todas as frentes citadas no parágrafo anterior, e inclui a ela a discussão da independência do sujeito deficiente visual. Ainda assim, o despertar do amor homossexual entre Leo e Gabriel tem um grande peso na narrativa e, do meio para o final do longa, domina todo o cenário, ofuscando os temas que são mais destacados na primeira parte do enredo.

Algo, porém, que me chamou a atenção é a forma como acontece esse despertar no caso de Leonardo.

Leo e Gabriel de mãos dadas após mais um ataque de bullying sofrido pelos dois
O despertar da sexualidade, segundo Thais Gurgel[6], se dá em, pelo menos, três “frentes de descobrimento” e que se dão de forma paralela: “a da dinâmica das relações afetivas, a do prazer com o corpo e a da identificação com o gênero”. No filme todas essas frentes são destacadas em algum momento, porém, o maior foco foi na identificação com o gênero. É nessa frente onde se dá a descoberta da orientação sexual, que emerge do interesse e atração pelo sexo oposto, pelo mesmo sexo, ou por ambos.

Do meu ponto de vista, o despertar da sexualidade, lato sensu[7], quase sempre começa com o toque e ascende para a visão. O toque começa com o próprio corpo, com o corpo materno durante a amamentação, mas é com a visão que com mais intensidade expandimos e projetamos para o outro o nosso interesse. A imagem do que vemos no outro serve de canal para o sentir-se atraído e para o achar belo. Com Leo, porém, esse processo se dá por outros canais: a sensação do toque, dos cheiros que emanam do outro, e poderíamos incluir também as sensações que são provocadas pelos sons, o conforto que a voz do outro pode provocar.

Diferente dos deficientes visuais, os videntes nem sempre dão atenção aos outros sentidos e a imagem do outro prevalece sobre o que o olfato, a audição e o tato expressam. Por isso é tão comum se apaixonar levando em consideração só a aparência. Mas como enfatiza muito bem o pôster do filme: nem todo amor acontece à primeira vista, um trocadilho entre o ditado popular e a condição de cego do personagem principal, mas que serve de metáfora ao que discutimos.

Mas os sentidos nunca são os únicos fatores que provocam o interesse pelo outro, as atitudes, o comportamento, o humor e mesmo a inteligência e sensibilidade são elementos que pesam bastante. Com Leonardo outros fatores para além dos sentidos são envolvidos e levam-no a perceber-se interessado no colega de escola.

Leo e Gabriel andando de bicicleta com Leonardo guiando. 
Gabriel é o primeiro que estimula Leo a aventurar-se, fazer coisas “que um cego não faria”, como ir ao cinema, andar de bicicleta, fugir de casa para “ver” um eclipse, dançar em uma festa com os amigos. São essas atitudes que demonstram a Leo que, aos olhos de Gabriel, ele era capaz de tudo. O colega não o via como alguém limitado pela sua deficiência e nem via motivos para que isso o limitasse de fazer coisas que normalmente só os videntes fariam. Trata-se de um convite a conquistar uma independência, a viver como os demais, em suma, tudo o que Leonardo sonhava conquistar em sua relação com os pais: estímulo, confiança e independência. Diante de tudo isso, a questão da homossexualidade se torna só mais um elemento presente na história, sem, todavia, deixar de ser marcante na trama.

O filme trata todos os seus temas com bastante leveza e, por isso, deu um ar de maior naturalidade a relação entre Leonardo e Gabriel sem explorar a fundo a questão do preconceito que, no entanto, não está ausente e surge nas brincadeiras maldosas de alguns colegas. Porém, a forma como a questão da homossexualidade é abordada devolveu a ela um ar de algo natural, de uma forma de amor que é válida e deve ser respeitada. Acho que para demonstrar a naturalidade dessa forma de amor que o tema não foi tratado em suas barreiras e desafios mais comuns, e que são impostos por uma sociedade que ainda está aprendendo a aceitar o diferente.

Conclusão

Considero que a trama geral de Hoje eu quero voltar sozinho seria a base para um livro interessante, sobretudo por sua gama muito grande de temas interessantes e importantes, mas que infelizmente – muito mais por conta do tempo demasiadamente curto para desenvolvê-los – foram tratados um pouco superficialmente.

Ainda assim, considero relevante o filme por congregar uma multiplicidade de assuntos que precisam ser constantemente debatidos: a independência e autonomia da pessoa cega, o bullying, o despertar e a sexualidade propriamente dita do deficiente visual, a homossexualidade na adolescência. Temas delicados e difíceis que o filme trata com suavidade e cuidado, mas que na forma de livro teriam seus contornos mais bem delineados e desenvolvidos, assim como sua discussão mais aprofundada.

Considero que seria uma leitura prazerosa para todos os jovens videntes ou cegos, um livro que falaria de amor e de conquista, de respeito e liberdade.

E vocês? Também não acham que daria um livro interessante para esse público, principalmente se fosse escrito também em braile?

A película é uma produção dos estúdios Lacuna Filmes e entrou em cartaz no ano de 2014. Tem duração de 96 minutos. Foi vencedor de vários prêmios, os primeiros deles no Festival internacional de Cinema de Berlim: FIPRESCI Prize de Melhor Filme da mostra Panorama e o Teddy Award de Melhor Filme com temática LGBT.  Abaixo você pode conferir o trailer do filme e o curta que inspirou o filme: Eu não Quero Voltar Sozinho.


Trailer do filme



Eu não Quero Voltar Sozinho – Curta metragem completo












[1] Que ou aquele que vê, que pode fazer uso da vista; visual (Houaiss, 2001).
[2]Poema lírico composto de estrofes de versos com medida igual, sempre de tom alegre e entusiástico (Houaiss, 2001).
[3] DO NASCIMENTO, Gabriela Cordeiro Corrêa; BURNAGUI, Jhenifer Geisa; DA ROSA, Mariana Peres. Autonomia e independência: percepção de adolescentes com deficiência visual e de seus cuidadores. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, v. 27, n. 1, p. 21-28, 2016.
[4] http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-02/guia-alerta-sobre-consumo-precoce-de-bebidas-alcoolicas-entre-jovens
[5] http://www.cisa.org.br/artigo/167/uso-bebidas-alcoolicas-por-menores-idade.php
[6] https://novaescola.org.br/conteudo/433/o-despertar-da-sexualidade
[7]Lato sensu é uma expressão em Latim que significa “em sentido amplo”. É utilizada em outros idiomas e áreas como DireitoLinguísticaSemiótica e outras, para referir que determinada interpretação deve ser compreendida no seu sentido lato, mais abrangente. (Disponível em: https://www.significados.com.br/lato-sensu/)

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