quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Treze à Mesa - Agatha Christie - Resenha

Eric Silva

Quem lê Agatha Christie sabe porque a autora é chamada de a rainha do crime. São poucos os autores de romances policiais que se aproximam de sua genialidade em compor uma trama intricada, um mistério aparentemente irresolvível ou cegar o seu leitor para que ele não enxergue o que é obvio. Tive provas destes fatos quando li A Mansão Hollow (The Hollow, 1946) e Um Gato entre os Pombos (Cat Among the Pigeons, 1959) ambos com o detetive belga Hercule Poirot. Hoje, estou aqui para falar de mais um Christie, de mais um dos seus celebres casos policiais. Impressiona-me a forma como Agatha consegue levar até as últimas páginas o mistério de quem é o assassino, de quais eram suas reais intensões e nos faz suspeitar de todos, mesmo quando álibis muito consistentes são apresentados.

Minha última leitura de Agatha foi Treze à Mesa publicado pela autora ainda no ano de 1933 com o nome original de Lord Edgware Dies, ou literalmente A morte de Lord Edgware. Narrado em primeira pessoa, é pela voz do amigo inseparável de Poirot, o capitão Hastings, que ficamos sabendo de toda a trama acompanhado de sua impressão dos fatos, das atitudes tomadas pelos demais personagens ora nos dando pistas pelas suas observações, ora nos desviando sem querer da trilha do assassino.

Poirot e Hastings assistiam em um teatro londrino à apresentação do espetáculo da atriz americana Carlota Adams, que fazia no momento um sucesso estrondoso nos palcos ingleses. Em sua exibição a Carlota encenava uma série de esquetes – peças de curta duração e de caráter cômico – que finalizava com a imitação de pessoas famosas do cinema, entre elas Jane Wilkinson, outra atriz de grande fama entre os ingleses e que por coincidência se encontrava na plateia assistindo a encenação na companhia de outro astro, o ator Bryan Martin. Hastings não deixa de notar a presença de Jane na casa e se surpreende com a forma bem humorada como ela assiste à sua imitante.

Após o término da apresentação Poirot e Hastings seguem para jantar no luxuoso hotel Savoy onde, por coincidência – se é que elas existem nas narrativas de Christie –, encontram Jane, Bryan e outros dois convivas e também Carlota Adams em companhia de um rapaz. Ao reconhecer Poirot Jane Wilkinson se aproxima dos dois amigos para cumprimentá-los e solicita uma entrevista com Poirot, ali mesmo no seu apartamento onde receberia também seus acompanhantes e Carlota com seu companheiro para um jantar. Hastings deixa transparecer em sua narrativa a forma impetuosa com que Jane levantou-se e dirigiu-se aos dois imprimindo claramente a urgência com o qual precisava falar com o detetive.

Antes que todos se dirigissem ao apartamento, a atriz conduz Poirot e Hastings para seus aposentos e lá esclarece aos dois que o motivo de sua urgência em fala-los era a necessidade imperativa de livrar-se de seu marido, o barão Edgware. Jane conta o seu desejo de divorciar-se do barão para casa-se com outro nobre inglês, o Duque de Merton, e da recusa de seu marido em conceder-lhe a separação. Por isso a atriz tenta convencer a Poirot a advogar pela sua causa junto ao Lord Edgware e persuadi-lo a aceitar o divórcio. Mostra-se inclusive disposta a ir ao extremo de cometer um homicídio para alcançar o que desejava.

“Levantou-se, apanhou o abrigo branco e ficou parada, com uma expressão suplicante no rosto. Escutei um rumor de vozes no corredor. A porta estava entreaberta.

— Caso contrário... — continuou ela. 

— Caso contrário, Madame? 

Deu uma risada.
— Terei de chamar um táxi e ir dar cabo dele pessoalmente”.


Mesmo relutante Poirot aceita a causa e passa ali parte da noite em companhia dos convidados da atriz que chegam logo após o término da entrevista.

Cena do crime em versão para a televisão 
dirigido por Brian Farnham. No
canto esquerdo, Poirot interpretado
por David Suchet. Fonte: Investigating 
Agatha Christie's Poirot
No dia seguinte, Poirot recebe a inesperada visita de Bryan Martin que lhe consulta sobre um caso em que desconfia estar sendo seguido por um misterioso homem do dente de ouro e pede-lhe ajuda. Contudo, não lhe dá mais nenhum detalhe a despeito da necessidade de consultar uma terceira pessoa, a única que poderia lhe autorizar a seguir em frente com a investigação. A jusante dessa história, Bryan aproveita para comentar os desatinos de sua colega Jane, e reforça que ela seria realmente capaz de dar cabo do marido para conseguir o que queria.

Mais à frente, Poirot consegue obter uma entrevista com o barão Edgware e este lhe revela algo inesperado: ele estava disposto a conceder a separação à esposa e que, inclusive, já havia há algum tempo escrito uma carta avisando-a de sua intenção. Diante daquilo Poirot e Hastings vão ao encontro de Jane e dão lhe as boas novas que ela recebe com alegria. O caso estava resolvido! Era ao menos o que Poirot considerava.

No dia seguinte o detetive é surpreendido com a vista do inspetor Japp. Lord Edgware havia sido encontrado morto em sua biblioteca apunhalado na nuca e a principal suspeita era a própria Jane Wilkinson com quem o barão havia se encontrado horas antes de ser descoberto morto. Mas Poirot não se convence da suposição da polícia, afinal, como Jane poderia ter assassinado o marido no mesmo momento em que estivera em um jantar na companhia de mais de uma dezena de pessoas? Haviam muito mais mistérios naquela morte do que a polícia imaginava.

Treze à Mesa é uma trama de muitos enganos capazes até mesmo de confundir a própria genialidade do mais famoso detetive de Agatha Christie. Cheia de pistas e fatos aparentemente desconexos que nos deixam a todo momento inseguros em apontar um possível assassino. Saltamos de um forte candidato a outro à medida que novas pistas são reveladas. Descartamo-los e voltamos a reconsiderá-los. Todos tem motivos de sobra para matar o barão que aos poucos é revelado como um homem odioso e com vários desafetos.

Mas mais surpreendente ainda é o desfecho inusitado em que nos é revelado a forma como tudo foi feito: uma trama intrincada, um crime quase perfeito e ousado, digno de um gênio do crime. Inimaginável para nós que contávamos apenas com algumas poucas pistas soltas. Digo que o ponto mais forte da história é, com certeza, o seu desfecho: a ousadia dos métodos do criminoso que por muito pouco não saiu impune.

Contudo Treze à Mesa tem também seus pontos problemáticos para quem o lê em nossa época.

Foto de pince-nez, antigo modelo de óculos usado entre 
os séculos de XV e XX. Fonte: Wikimedia Commons 
Por ser uma história publicada a mais de oitenta anos ela está povoada de elementos antigos essenciais para o entendimento da história mas que na época eram muito conhecidos pelos primeiros leitores da autora. O que seria um pince-nez, um chapéu clochê e ou ainda veronal? Todas essas coisas nos exige pequenas pesquisas no Google para termos ideia mais clara do que acontece na narrativa. Outro ponto negativo são as tiradas em francês de Hercule Poirot que exige, pelo menos de quem não fala o idioma, que façamos outras consultas, só que dessa vez, ao Google Tradutor.

A edição lida é da Editora Nova Fronteira, com 166 páginas, tradução de Milton Persson. 



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